Equipe de Nicolelis criou a chamada 'interface
cérebro-cérebro' (Foto: Katie Zhuang, Laboratório
de Miguel Nicolelis, Universidade Duke)
Pesquisadores conseguiram, pela primeira vez, conectar diretamente o
cérebro de dois animais de forma que eles puderam se comunicar apenas
pelos circuitos neurais. A pesquisa foi liderada pelo neurocientista
brasileiro Miguel Nicolelis, que trabalha na Universidade Duke, nos EUA,
e no Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily
Safra (IINN-ELS), no Rio Grande do Norte.
Dois ratos – um deles situado no laboratório americano e o outro no
laboratório brasileiro – foram conectados diretamente pelos sinais
elétricos produzidos no cérebro.
Um rato, situado em Natal, recebia estímulos simples – táteis ou
visuais – para exercer uma tarefa. O segundo rato, localizado em Durham,
no estado americano da Carolina do Norte, recebia apenas os pulsos
elétricos do primeiro e conseguia executar a tarefa, mesmo sem receber
os estímulos externos diretamente. Na experiência, o primeiro rato é
chamado de “codificador” e o segundo de “decodificador”.
O cérebro do decodificador passou a sentir o que as vibrissas – os
“bigodes”, que é por onde os ratos tateiam – do codificador sentiam, sem
perder a sensibilidade ao próprio corpo. “É como se você tivesse
adquirido duas novas mãos, que você não comanda, mas sente”, comparou
Nicolelis.
“Seria exagero falar em telepatia, porque ela fala em transmissão
espontânea”, ponderou o neurocientista. “Mas estamos introduzindo um
novo meio de comunicação entre animais”, completou.
Miguel Nicolelis (Foto: Reprodução Globo News)
Como chegaram lá
O trabalho publicado nesta quinta-feira (28) pela revista “Scientific
Reports” descreve, na verdade, três experimentos feitos pela equipe – a
interação direta entre os cérebros foi apenas o terceiro deles.
A primeira experiência foi feita com o estímulo visual. Num espaço com
duas alavancas, uma luz indicava ao codificador qual delas ele deveria
acionar para receber uma recompensa. Os sinais do cérebro dele eram
captados e, a partir daí, os cientistas trabalhavam no computador e
recriavam um padrão elétrico com os sinais que o decodificador deveria
seguir, de forma a acionar a alavanca correta sem o sinal visual.
Se a transmissão funcionasse, os dois recebiam a recompensa. No
entanto, se o decodificador acionasse a alavanca errada, a recompensa
para o codificador era menor. Isso serviu para estimulá-lo a transmitir
sinais mais claros.
A estratégia foi repetida na experiência seguinte, que testava os
estímulos táteis. Com os bigodes, o codificador media o diâmetro de um
orifício por onde deveria passar. Mesmo sem senti-lo diretamente, o
decodificador também conseguia saber essa medida, devido ao sinal
cerebral feito pelo codificador.
A partir daí, os cientistas tentaram a experiência diretamente, sem que
o sinal elétrico fosse trabalhado no computador. Na verdade, a
transmissão dos sinais dos ratos foi, sim, via internet, mas com um
programa que apenas repassava o padrão dos sinais elétricos. “Nós
fizemos o mais simples possível, para ter menos intervenção de máquina”,
contou Nicolelis.
Aplicações
A experiência em questão foi feita entre dois indivíduos diferentes,
mas Nicolelis acredita que uma transmissão semelhante possa ser feita
também entre duas regiões dentro de um mesmo cérebro.
Foi o que sua equipe fez em um
estudo publicado duas semanas atrás,
em que ratos puderam “sentir” a luz infravermelha com o uso de um
receptor ligado à parte do cérebro responsável pelo tato. No futuro, o
neurocientista brasileiro acredita que esse campo de estudo possa
servir, por exemplo, para recuperar a visão de alguém que seja cego
devido a uma lesão cerebral, por exemplo.
Mas, na visão do cientista, este não é o único campo que pode se
beneficiar da descoberta. “Está abrindo novas áreas de pesquisas
inéditas”, garantiu Nicolelis. Na visão do professor, o objetivo é
explorar os limites da capacidade de adaptação do cérebro, e esses
limites ainda não foram atingidos.
Em experiências futuras, o pesquisador pretende unir a atividade do
cérebro de vários animais para resolver questões ainda mais complexas –
segundo ele, já há pesquisas em curso conectando quatro ratos. Essa
junção de cérebros é chamada de “Brainet”, um neologismo que une as
palavras “cérebro” e “rede”, em inglês.
A união entre o cérebro de vários animais tentando resolver problemas
cada vez mais complexos podem, segundo ele, ter aplicação também no
campo da informática, formando o chamado “computador orgânico”.
“Nós veremos como vários animais interagindo entre si vão resolver
problemas que algoritmos não resolvem”, apontou o cientista. A partir
daí, desenvolvedores de softwares poderiam ter novas ideias na
computação – segundo Nicolelis, há, inclusive, empresas de informáticas
interessadas em investir na área.
A pesquisadora Carolina Kunicki, no IINN-ELS (Foto: IINN-ELS/Divulgação)
Ciência no Brasil
Nicolelis fez ainda questão de enfatizar que o trabalho não seria
possível sem a infraestrutura montada no IINN-ELS, em Natal. Lá, a
pesquisadora Carolina Kunicki conduziu a parte brasileira dos estudos,
que permitiu a conexão entre os dois ratos.
Professor da Universidade Duke, Nicolelis idealizou a construção do
instituto no Nordeste brasileiro e conseguiu recursos públicos para
ajudar a desenvolver a ciência na região. Recentemente, a relevância do
projeto vinha sendo questionada por ex-colegas, que chegaram a publicar
um
manifesto questionando a conduta do pesquisador.
Além de Carolina Kunicki, também assinam o estudo os pesquisadores
Miguel Pais Vieira, Mikhail Lebedev e Jing Wang, da Universidade Duke.
Outro estudo
Na quarta-feira, outro estudo do laboratório de Nicolelis foi publicado
pela revista “Journal of Neuroscience”. Neste trabalho, os cientistas
mostraram que a atividade na parte do cérebro responsável pelo tato
começa antes mesmo que o toque ocorra.
O experimento foi feito com ratos, e mostrou que os animais especulam o
efeito que sentirão quando seus bigodes entrarem em contato com um
objeto, o que é baseado na visão e nas características que o rato já
conhece do objeto. Grosso modo, é como uma pessoa que sabe que vai se
queimar se encostar em uma panela quente.